Desafios para a formação educacional de surdos no Brasil

Desafios para a formação educacional de surdos no Brasil

Os surdos formam uma comunidade – são mais de 10 milhões somente no Brasil –, com cultura própria e, sob o escopo do Bilinguismo, com língua própria, porém a formação educacional de surdos no Brasil (tema da redação do ENEM 2017) não depende apenas do reconhecimento da Libras como língua oficial.

Entenda a Diferença entre deficiência auditiva e surdez aqui.

A LIBRAS é disciplina obrigatória nos cursos de formação de professores desde 2005. Mas quantos professores realmente aprendem LIBRAS após concluírem suas licenciaturas?

No livro Educação de Surdos: formação, estratégias e prática docente (download gratuito aqui), a professora Francislene afirma que mesmo com o reconhecimento da relevância da Língua de Sinais na educação de surdos, a literatura especializada mostra que esse período foi interrompido por uma corrente educacional que não acreditava que a Língua de Sinais supria todas as necessidades linguísticas dessas pessoas, buscando, assim, a sua normalização, com a finalidade de torná-las ouvintes. Esse processo recorria ao reparo do aparelho auditivo das pessoas com surdez. Negou-se, pois, aos surdos, seus direitos de crescimento e avanço social, visto que não foram respeitadas suas particularidades cognitivas, linguísticas e sociais. Nesse período foi priorizada a língua oral.

Sabemos que reconhecimento da Língua de Sinais como língua natural da comunidade surda é um grande avanço.

Contudo a educação formal nos moldes do bilinguismo (como é ofertada atualmente aos surdos) não é garantia de acesso ao Ensino Superior ou a uma formação profissional de qualidade.

“Não é garantia”. Mas qual o motivo? A formação educacional de surdos no Brasil possui muitos desafios. Já vamos entender.

O caminho para a formação educacional de surdos no Brasil

No Brasil, a educação de surdos tem início, formalmente em 1857, quando o professor surdo Eduard Huet veio para o Rio de Janeiro a pedido do Imperador D. Pedro II. Com a fundação do Imperial Instituto de Surdos-Mudos, inicia-se o processo de educação formal dos surdos no Brasil, que passaram a ter uma escola especializada para sua educação e oportunidade de criar a Língua de Sinais dos Centros Urbanos (LSCB), fato de suma importância no processo de educação dessas pessoas. Vale salientar, entretanto, que as meninas surdas só tiveram direito à educação no início do século XX quando surgiu o Instituto Santa Terezinha, em São Paulo.

Dentro da perspectiva da educação de surdos o Instituto Santa Terezinha tem se organizado conforme a filosofia bilíngue, e tem como objetivo principal o desenvolvimento cognitivo-linguístico, tendo acesso às duas línguas: a língua de sinais e o Português escrito.

No bilinguismo, primeiro os surdos adquirem a Língua de Sinais (LS) e depois aprendem o Português na modalidade escrita. Segundo Quadros (1997, 2006), Góes (1999) Skliar (1997, 1998, 1999) e Fernandes (2003), não é simplesmente tornar disponível o uso de duas línguas no contexto escolar, tomando a LS uma língua natural e a Portuguesa uma segunda língua.

Bilinguismo é mais do que o domínio puro e simples de uma outra língua como mero instrumento de comunicação. E neste sentido, apenas os integrantes dessa comunidade, como surdos, podem contribuir, de modo efetivo, para a educação de crianças surdas (FERNANDES, 2003, p. 55).

Segundo Souza (2011, p. 30-31),

[…] O ensino bilíngue não deve ser pensado apenas na questão pedagógica de sala de aula, quando é disponibilizada a presença do intérprete. Faz-se necessário que o Projeto Político Pedagógico das escolas seja bilíngue, com a participação dos sujeitos surdos, que as políticas educacionais contemplem uma educação que reconheça a surdez como diferença, e, principalmente, ultrapassem os muros da escola e atinjam outras instituições, em especial, a família.

Embora as escolas bilíngues sejam uma realidade, no ensino superior a situação é diferente e os alunos surdos encontram dificuldades que vão além da necessidade de um intérprete.

Muitas vezes, o professor, no contexto da sala de aula dos cursos de graduação, reporta-se aos surdos objetivando “incluí-los”, acreditando que sorrir, acenar, desenhar, falar com o intérprete são ações que viabilizam uma educação igualitária requerida por estes. Alguns professores seguem tentando “adaptar” a aula, mas desistem, afirmando que não possuem formação para “trabalhar” com esses alunos. A respeito dessa falta de comunicação no espaço da sala de aula, o discente A2 argumenta que: – É preciso ter livros e textos adaptados em língua de sinais. Os técnicos universitários, o pessoal do apoio e membros do colegiado do curso precisam aprender a língua de sinais. É preciso cursos de Libras na universidade para atender a essa necessidade, principalmente os professores precisam aprender a língua de sinais. Trecho do livro Educação de Surdos: formação, estratégias e prática docente p.38

A LIBRAS como disciplina no Ensino Superior

A inclusão da Língua Brasileira de Sinais (Libras), como disciplina nos cursos de formação de professores, de acordo com o Decreto Federal 5.626/05, é uma conquista para a comunidade surda e a formação educacional de surdos no Brasil.

As Instituições que assumem uma perspectiva curricular de inclusão como no caso da Libras como disciplina evidenciam o conhecimento e reconhecimento, em principal pelos educadores, que irão atuar com crianças e adolescentes surdos no ensino regular, que dependem da qualidade no processo de ensino-aprendizagem implicitamente eficaz por meio da Libras.

No capítulo II do decreto federal, que trata da Inclusão da Libras como disciplina curricular, encontramos o seguinte:

Art. 3o  A Libras deve ser inserida como disciplina curricular obrigatória nos cursos de formação de professores para o exercício do magistério, em nível médio e superior, e nos cursos de Fonoaudiologia, de instituições de ensino, públicas e privadas, do sistema federal de ensino e dos sistemas de ensino dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.

§ 1o  Todos os cursos de licenciatura, nas diferentes áreas do conhecimento, o curso normal de nível médio, o curso normal superior, o curso de Pedagogia e o curso de Educação Especial são considerados cursos de formação de professores e profissionais da educação para o exercício do magistério.

§ 2o  A Libras constituir-se-á em disciplina curricular optativa nos demais cursos de educação superior e na educação profissional, a partir de um ano da publicação deste Decreto.

Mas será que apenas a inclusão de uma disciplina nos cursos de ensino superior é garantia de acesso a formação educacional de surdos no Brasil?

Formação educacional de surdos no Brasil: desafios no Ensino Superior

Segundo a professor de Libras da Faculdade Anhanguera, Renata Aparecida Rossi, temos que considerar que para uma real inclusão do aluno surdo é básico e urgente que o profissional educador esteja preparado, pois uma comunicação de sucesso é determinante no resultado da aprendizagem e da formação educacional de surdos no Brasil.

Rossi ainda afirma que para a inclusão de crianças surdas no ensino regular desde a educação infantil ao ensino superior há de se contar com profissionais preparados para o trabalho teórico e prática docente, que entendam a real importância do processo comunicativo e inclusivo ao qual a educação de surdos exite. O reconhecimento e conhecimento da Língua Brasileira de Sinais efetivam a educação dos alunos surdos, uma vez que é respeitada sua Língua materna, como qualquer pessoa que não domine a língua de outro país, mas podem expressar-se livremente quando respeitados seus direitos. O sujeito surdo por muito tempo foi inferiorizado pelo fato de não expressar-se como a comunidade ouvinte, porém atuamente e tardiamente vê sua Língua ser reconhecida como meio legal e adquirido de comunicação podendo assugurar-se de todos os seus direitos como um cidadão, e principalmente o direito de ter uma educação bilíngue, em que se priorize sua Língua.

A necessidade de preparo dos atuais e futuros professores é urgente. A inclusão da disciplina de LIBRAS nos cursos superiores de formação de professores foi um avança, mas essa disciplina deveria ser obrigatória em todos os cursos de ensino superior, inclusive pós-graduação, mestrado e doutorado, para que a inclusão seha efetiva em todos níveis de ensino, como de fato é a proposta da educação inclusiva.

O quadro a seguir ilustra como se deve entender e ofertar os serviços de educação especial, como parte integrante do sistema educacional brasileiro, em todos os níveis de educação e ensino”. (Parecer CNE/CEB Nº 17/2001)

Quadro Educação Especial para todos os níveis de educação e ensino

 

Além do aluno surdo, temos todo o público-alvo da educação especial que depende de um ensino superior minimamente preparado.

Entenda mais sobre o que é a Educação Inclusiva em nosso outro post.

 

Curso gratuito de LIBRAS

Vamos começar a mudar o Brasil?

Essa ação pode vir de você agora mesmo. Ser fluente em LIBRAS é um desafio real para quem não convive com a língua diariamente, mas compreender alguns aspectos básicos já ajuda e muito.

Disponibilizamos um curso gratuito de LIBRAS para você dar o seu primeiro passo para ser um profissional mais inclusivo no futuro.

Nesse curso você vai compreender a estrutura linguística de LIBRAS, formação de sentenças, gramática, formação de palavras, frases e o vocabulário básico de LIBRAS. Não temos a pretensão aqui de tornar o aluno fluente em LIBRAS com um curso à distância de 20 horas. Mas o objetivo é apresentar as principais características dessa linguagem.

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ENEM 2017 – Desafios para a formação educacional de surdos no Brasil e os Avanços da Educação Inclusiva

O tema da redação do ENEM de 2017 foi Desafios para a formação educacional de surdos no Brasil.

Pela primeira vez, o Enem terá videoprovas em Língua Brasileira de Sinais (Libras). A prova em Libras é um recurso que facilita a realização do exame para surdos e pessoas com deficiência auditiva que, por terem sido alfabetizados na linguagem dos sinais, têm mais dificuldade para realizar provas escritas. Isso com certeza é um avanço da educação inclusiva.

Na Videoprova Traduzida em Libras, as questões e as opções de respostas são apresentadas em Língua Brasileira de Sinais por meio de um vídeo. O recurso terá o mesmo número, ordem e valor de questões da prova regular, além da garantia de qualidade e normas de segurança máxima de todas as provas do Enem. Só não serão integralmente traduzidas para Libras as questões de Língua Estrangeira Moderna. Nessas questões, somente os trechos originalmente em português serão traduzidos para Libras.

O tema da redação deste ano (formação educacional de surdos no Brasil) segue a tendência das últimas edições do Enem, que costuma abordar temas sociais. No ano passado, o tema foi Caminhos para combater a intolerância religiosa no Brasil. Violência contra a mulher, publicidade infantil, lei seca e movimento imigratório também foram abordados nos últimos anos.

 

Bibliografia

ALMEIDA, WG., org. Educação de surdos: formação, estratégias e prática docente [online]. Ilhéus, BA: Editus, 2015, 197 p. ISBN 978-85-7455-445-7.

BRASIL. Decreto Federal nº 5.626 de 22 de dezembro de 2005. Regulamenta a Lei 10.436/2002 que oficializa a Língua Brasileira de Sinais.

ROSSI, Renata Aparecida. A Libras como Disciplina no Ensino Superior. Revista de Educação, Vol. 13 n 15, 2010

LEITE, Letícia de Sousa. A formação de professores para a Educação Inclusiva dos alunos Surdos: um estudo de caso. UFU. Acessado 05/11/2017 em http://www.uniube.br/eventos/epeduc/2015/completos/58.pdf

 

Leandro Rodrigues

Eu sou Leandro e acredito que as pessoas podem evoluir muito além dos rótulos, estigmas e preconceitos. Todos podem aprender. Esp. em Educação, Diversidade e Inclusão Social. Formação inicial em Ciência da Computação. Fundador do Instituto Itard e criador do curso Adaptando Atividades para Alunos com Deficiência.

One thought on “Desafios para a formação educacional de surdos no Brasil

  1. Mariah A. Nobrega says:

    Susto? Tristeza? Decepção? Alegria? com o tema da redação do Enem 2017?

    Eu simplesmente a-mei- …. Sim, A-MEI.

    Por vários motivos, mas aqui citarei apenas dois:
    1º – é um assunto que deve ser colocado em evidência, assim como tantos outros ligados aos grupos marginalizados. Vamos ignorar nossos semelhantes por causa disso ou daquilo? Em pleno século XXI é inadimissível essa mentalidade tão atrasada, para não dizer deturpada, de muitos não respeitarem as diferenças. Elas existem, somos todos diferentes, e todos nós temos a obrigação de respeitar quaisquer diferenças.
    Fácil e cômodo para quem não possui nenhuma necessidade especial ficar irritado com o tema.
    Vá estudar, ler mais para ficar bem informado, se politizar …. Se quer ser o tipo ‘antenado/a’, geração Y, Z, Alpha, sei lá o quê… raio que te parta. Nessa você perdeu, e perdeu feio seu/sua desinformado/a.
    Estar desinformado a esse ponto, é simplesmente uma questão de escolha, de malandragem de quem não quer ler e estudar. E digo isso com muita propriedade.
    Vamos aos fatos… Lindinhos, lindinhas…. e preguiçosos que não querem ler e se informar.
    2º – Quem estava no ensino fundamental – 7º ano – de 2011 pra cá, na rede pública, deve-se lembrar que os livros didáticos de Português, adotados e distribuídos de GRA-ÇA (e de outras disciplinas também), contemplam textos de diversos gêneros – notícia, reportagem, relatórios, debates, textos literários, etc. que abordam temas como preconceito, discriminação, intolerância religiosa, diversidades e tratamento que se deve ter para com os portadores de necessidades especiais etc. Ou seja, o MEC aprova e disponibiliza livros que apresentam uma diversidade textual e temática excelente, tanto quantitativa quanto qualitativamente.
    Portanto, aqueles que ‘passaram pela escola sem que ela passasse por eles’ não tem do que reclamar.
    Todo mundo sabe que nas escolas – públicas e privadas – não é possível ter aulas com abordagem dos temas que os livros trazem – conversas e tumultos não permitem que haja uma leitura e discussão dos textos. Daí boa parte de professores limitam-se a exigir que os alunos copiem o texto e as perguntas e respondam e lhes mostrem o caderno com tudo copiado. Dão o visto, e claro, por questão de sobrevivência, dão-se por vencidos.
    Enquanto houver irresponsáveis que enchem o mundo de filhos e não dão educação em casa, vai chegar às escolas essas manadas como vem chegando. E para o Enem seguem as manadas.

    E a equipe do Enem está certíssima de cobrar da forma que cobra os conteúdos.
    Há um bom tempo – pelo menos de uns 15 anos pra cá – os governos oferecem escolas, vagas, professores bem qualificados, livros excelentes e caríssimos, as prefeituras dão os demais materiais, e a galera malandrinha desperdiça tudo e atrapalha os bons que estão nas escolas e querem estudar. Sim, há excelentes alunos nas escolas que querem estudar e valorizam o que recebem, além de respeitar professores. O resto é o resto.
    Que venha mais temas e conteúdos desse nível.

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