Currículo Adaptado: atividade diferente não é exclusão!

Já te falaram que entregar uma atividade diferente é exclusão? Esse é um dos maiores MITOS que existem na educação inclusiva e te impedem de fazer a diferença com um currículo adaptado eficaz. Aqui você vai conferir como começar sua adaptação curricular: o que é, o objetivo, amparo legal e como fazer a adaptação curricular!

Nem sempre vamos conseguir com que todos os alunos aprendam a mesma coisa, ao mesmo tempo e da mesma forma. Na teoria é bonito, mas na prática é impossível.

Somos diferentes! Faz sentido?

Inclusão não é todos fazendo a mesma coisa ao mesmo tempo (escola não é linha de produção). Inclusão é todos aprendendo e convivendo juntos , mesmo que esse aprender sejam de assuntos diferentes e em formatos diferentes.

Quando um aluno precisa estudar um assunto diferente da turma, isso se chama Adaptação Curricular.

Quando um aluno precisa fazer uma atividade num formato diferente do restante da turma, isso se chama Adaptação de Atividades.

Adaptar o currículo ou adaptar as atividades não é exclusão, pelo contrário, é criar a possibilidade do aluno aprender, mesmo que seja de uma forma diferente.

Tanto a adaptação de atividades quanto a adaptação curricular exigem atitudes inclusivas, habilidades técnicas, estratégia e principalmente, atenção máxima ao aluno. Só assim teremos uma escola onde todos podem aprender.

Mas o que é adaptação curricular no dia a dia da escola inclusiva?

Vamos lá!

O que é adaptação curricular?

Adaptação curricular é separar do currículo comum os tópicos mais relevantes para um aluno hoje.

Olhando para nosso atual sistema educacional, percebemos que o currículo é rígido, ou seja, obedece uma grade curricular fechada.

Todos os alunos são obrigados a aprendê-lo dentro de um tempo predeterminado, senão são reprovados.

Todos precisam fazer as mesmas aulas, ao mesmo tempo, vendo os mesmos conteúdos (mesmo que aprendam em tempos diferentes, de formas diferentes e tenham interesses diferentes).

Para ser avaliado hoje, os alunos são comparados com os outros e seu conhecimento é medido em relação ao currículo.

Se temos um sistema educacional rígido para todos (que parece que não vai mudar tão cedo), qual a solução prática possível para que todos aprendam?

A resposta é adaptar o currículo e adaptar as atividades. Os alunos precisam aprender todos os dias! Adaptar é urgente.

Hoje no Brasil adaptar é incluir. Quanto mais formas de adaptar você conhece e aplica, mais possibilidades você cria para o seu aluno aprender hoje.

Mas qual a lei da adaptação curricular? Vem comigo.

Adaptação curricular é obrigatória por lei?

Sim, desde 1996 na Lei Nº 9.394. Confira o artigo 49:

Art. 59. Os sistemas de ensino assegurarão aos educandos com necessidades especiais:

I – currículos, métodos, técnicas, recursos educativos e organização específicos, para atender às suas necessidades;

Mas em 2013 foi realizada uma alteração substituindo educandos com necessidades especiais por “educandos com deficiência”

Hoje está dessa forma:

Art. 59. Os sistemas de ensino assegurarão aos educandos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação:

I – currículos, métodos, técnicas, recursos educativos e organização específicos, para atender às suas necessidades;

Aqui você pode entender currículo específico como currículo adaptado, pois um currículo adaptado deve ser específico para atender a necessidade individual de um aluno.

Quem deve fazer a adaptação curricular?

O professor regente é o profissional mais indicado para estar à frente da adaptação curricular de sua própria disciplina.

Claro que a colaboração da coordenação pedagógica e do atendimento educacional especializado fará a diferença, já que será preciso avaliar o aluno com deficiência para entender necessidades específicas que podem não estar visíveis na perspectiva do professor regente em sala de aula.

Como fazer a adaptação curricular?

Não existe “todos aprendendo a mesma coisa ao mesmo tempo”, isso é conto de fadas. Todos aprendemos em velocidades diferentes, de formas diferentes.

O grande segredo do sucesso escolar de qualquer aluno é definir objetivos educacionais adequados para ele.

Trabalhar com objetivos errados geram muitos problemas para você e para seu aluno.

O aluno pode ficar extremamente entediado por trabalhar algo que ele já sabe (o que acontece muito com alunos com altas habilidades) ou pode se sentir extremamente incapaz quando é exposto a conteúdos além do seu momento atual.

Em ambos os casos uma adaptação curricular se faz necessária.

Não existe motivo para trabalhar assuntos que um aluno já domina, assim como não existe motivos para trabalhar um assunto que está além do alcance de um aluno com dificuldades escolares.

Aprendizado de verdade não é superficial, não é “mais ou menos”, não é “para manter o aluno ocupado”.

Aprendizado de verdade é quando respeitamos o processo sequencial. Primeiro aprende A, garantimos que ele realmente aprendeu A, então só depois ensinamos B.

Não adianta querer ensinar C para quem não aprendeu A.

Para fazer uma boa adaptação curricular você precisa responder à uma grande pergunta:

O QUE É MAIS IMPORTANTE ESSE ALUNO APRENDER COM QUALIDADE DENTRO DO TEMPO QUE TEM?

Por exemplo:

Esse é um exemplo de currículo para a disciplina de língua portuguesa do 7º ano:

  1. Organização temporal no texto narrativo
  2. Tipos de discurso: direto e indireto
  3. Leitura de textos jornalísticos com ênfase em questões de gêneros na contemporaneidade
  4. Leitura de textos regionais: o cerrado, matriz da cultura brasileira
  5. Textos teatrais
  6. Representação teatral
  7. Texto expositivo
  8. Texto argumentativo
  9. Música regional
  10. Leitura de letras de músicas de estilos variados com ênfase em cidadania
  11. Poesia
  12. Paródia
  13. Criação de artigos jornalísticos (anúncios e classificados)
  14. Elaboração de reportagens e entrevistas – (notícia, manchete, entrevista)
  15. Criação de poesia
  16. Gênero, número e grau do substantivo e do adjetivo
  17. Gênero e número do artigo
  18. Gênero e número dos numerais e dos pronomes
  19. Pontuação
  20. Frase, oração e período
  21. Regras de acentuação
  22. Termos essenciais da oração
  23. Tipos de sujeito
  24. Formas nominais do verbo
  25. Verbos regulares e auxiliares (tempos e modos)
  26. Advérbio, locução adverbial e adjuntos adverbiais
  27. Tipos de predicado
  28. Preposição

São 28 tópicos de conteúdo!

Se tenho por exemplo um aluno com deficiência intelectual que tem uma velocidade de aprendizado diferente da maioria dos outros alunos, voltamos à pergunta: o que é mais importante esse aluno aprender com qualidade dentro do tempo que ele tem?

Após uma avaliação considerando o que mais importante para esse aluno em específico, diante do tempo que ele tem nessa disciplina, poderíamos ficar com o seguinte currículo:

  1. Leitura de textos jornalísticos com ênfase em questões de gêneros na contemporaneidade
  2. Criação de artigos jornalísticos (anúncios e classificados)
  3. Elaboração de reportagens e entrevistas – (notícia, manchete, entrevista)
  4. Pontuação
  5. Regras de acentuação

Claro que este é um exemplo. O importante é ter foco na qualidade do que é ensinado. Não adianta ensinar e o aluno não aprender, pois isso não seria ensinar, apenas expor conteúdos.

Explico isso melhor na aula do youtube:

E quando o aluno com deficiência não tem os pré-requisitos para fazer essa disciplina?

Às vezes você pode receber uma atividade para adaptar para um aluno, mas essa atividade não representa a realidade do aluno.

Como assim?

Por mais que você aplique diversas técnicas para despertar o interesse, gerar significado, aumentar a atenção e a concentração, o aluno pode estar fazendo a atividade errada para esse momento específico da vida dele.

Isso irá atrapalhar o aluno, que não vai aprender e poderá se sentir frustrado, mas também vai atrapalhar você, desperdiçando seu valioso tempo e sua energia.

Prioridade: o currículo funcional e as habilidades pré-acadêmicas

Crianças com deficiência precisam, na maioria dos casos, aprender os mesmos comportamentos que crianças sem atrasos no desenvolvimento aprendem com relativa facilidade, de modo que muitas vezes nem se nota o quanto estão aprendendo a cada dia.

Estamos falando de ensino, de aprender habilidades e comportamentos. Porém ensinar as crianças com deficiência da mesma maneira que se ensina crianças sem deficiência pode ser pouco efetivo.

Um dos aspectos fundamentais para o sucesso de alunos com deficiência no âmbito escolar é o ensino sistemático e simultâneo de habilidades em várias áreas do desenvolvimento.

O que isso significa?

Muitos comportamentos podem ser ensinados ao mesmo tempo, desde que estejam relacionados com áreas diferentes.

Na escola, além de outras habilidades básicas, é importante trabalhar com a criança com deficiência atividades que desenvolvam as habilidades pré-acadêmicas: coordenação olho mão; emparelhamento de objetos, figuras, objetos e figuras; uso do lápis e tesoura, pois são são fundamentais na realização de atividades escolares, como por exemplo: escrever, distinguir diferenças e semelhanças, matemática, leitura e compreensão.

Quando não priorizamos o que é necessário para a vida do aluno, estamos privando o aluno de se desenvolver, de crescer.

Mas posso ensinar um conteúdo diferente para o aluno com deficiência? Isso não é exclusão?

Você já trabalhou habilidades sociais com um aluno do 7º ano? Ou habilidades de vida diária com um aluno do ensino médio?

Aposto que sim.

Mas te garanto que esses tópicos estão bem longe do currículo da BNCC para o ano letivo do componente curricular. Então como fica o alinhamento com a BNCC? Desalinhado?

De forma alguma.

A própria BNCC estabelece a “parte diversificada” do currículo, que vai além da BNCC e fica a critério da escola.

A parte diversificada dos currículos é uma política que se insere na base nacional comum, sendo também normativa e precária no sentido de garantir que as instituições escolares “implementem” suas próprias propostas curriculares tomando a cultura como elemento central.

Mas Leandro, essa parte diversificada é para necessidades culturais e regionais, certo?

Sim, está certo. Mas essa parte diversificada pode trabalhar também as necessidades do indivíduo no currículo adaptado.

De acordo com a LDB: “os currículos do Ensino Fundamental e Médio devem ter uma base
nacional comum, a ser complementada, em cada sistema de ensino e estabelecimento escolar, por uma parte diversificada, exigida pelas características regionais e locais da sociedade, da cultura, da economia e da clientela”.

Nosso aluno com deficiência faz parte da clientela.

O fato é que o AEE necessita, em muitos momentos, desenvolver conteúdos/atividades curriculares diferenciadas da base nacional comum estabelecida para a educação regular.

Então entra como parte diversificada do currículo as atividades especializadas, o currículo funcional e outros objetivos que visam desenvolver conhecimentos, habilidades e atitudes que extrapolam o estabelecido na base nacional comum, e que podem ser demandadas por sistemas, escolas e estudantes.

Precisamos sempre priorizar o que é necessário para a vida do aluno no currículo adaptado. Quando não priorizamos o que é necessário para a vida do aluno, estamos privando o aluno de se desenvolver, de crescer.

Aprender o pré-acadêmico é necessário para o acadêmico ser aprendido.

Como saber se o aluno tem uma necessidade pré-acadêmica?

Um bom currículo adaptado precisa verificar se o aluno possui alguma necessidade pré-acadêmica.

Para ajudar você, eu trouxe nesse vídeo 5 perguntas para ter uma noção se o seu aluno possui uma necessidade pré-acadêmica para ser trabalhada no currículo, então anota aí as perguntas

  • Ele sabe responder seu nome completo quando perguntado?
  • Ele consegue recontar pelo menos 3 pontos principais de uma história?
  • Ele consegue copiar letras maiúsculas?
  • Ele consegue ler um texto simples e compreender?
  • Ele é responsável por pelo menos uma tarefa diária em casa?

Se você respondeu não para uma ou várias dessas perguntas, seu aluno provavelmente possui necessidades pré-acadêmicas para serem trabalhadas.

Uma avaliação diagnóstica detalhada será necessária para elaborar um currículo adaptado.

Nossos alunos só vão aprender de verdade quando definirmos objetivos educacionais adequados através de uma avaliação diagnóstica (acadêmica ou pré-acadêmica) no currículo adaptado.

Qual sua opinião? Comenta aqui!

22 thoughts on “Currículo Adaptado: atividade diferente não é exclusão!

  1. Geovanna says:

    Trabalho em uma rede de ensino que obriga os professores a adaptar a bncc, não importando se o aluno possui as competências pré-academicas. Cansei de discutir por isso, não sei mais o que fazer.

  2. GLADIS says:

    Minha amiga escola falava que primeiro eu deveria fazer o plano de aula adaptado e depois o do resto da turma por que isso é que significava incluir. Cansei de falar que isso era um absurdo. Saí de lá e hoje descuti com colegas defendendo que era obrigatório trabalhar o mesmo conteúdo da turma de forma que o aluno consiga trabalhar , foi o primeira vez que li que não precisa. Me sinto mais engada ainda pela aquela escola. Coisa triste.

  3. valdiza costa says:

    olá, tenho uma filha que de 14 anos cursando o oitavo ano, tenho um laudo que conta que ela tem retardo intelectual, tem sido muito dificil para ela pois não não consegue ler muito so palavras mas simples e na escola faz provas diferenciadas mas sempre com ajuda de um professor.

  4. Rosangela Lisbôa says:

    Boa noite, Leandro!
    Gostaria de solicitar sua ajuda me enviando um embasamento teorico, além da LDB sinalizada no texto.
    Atuo em Sala de Recurso de ensino médio, temos alunos que não estão alfabetizados e a gestora insisti que não temos que alfabetizar e sim seguir a grade curricular pois se fazemos diferente estamos excluindo o aluno.
    O seu texto me tranquilizou muito pois foi muito esclarecedor e coerente, em breve teremos uma reunião com a gestora e apresentarei a sua explanação.
    Aguardo ansiosa .
    Grata!

  5. maria de fátima gonçalves soares says:

    Sem dúvida este texto é um alento! Como é difícil fazer a Escola entender o que é inclusão. Temos que nos embasar muito para melhorar a vida de nossos pacientes e de suas famílias. Parabéns! Não me separo mais do Instituto Itard. Obrigada

  6. marcia rocha says:

    Leandro suas explicações são maravilhosas nos mostra vários caminhos que podemos auxiliar nossos alunos que são tão preciosos para nos buscando aprender de uma forma mais simples e com grandes objectivos.

  7. Ana Paula Pessoa Gomes says:

    Tenho uma dúvida…
    Se tenho um aluno no sétimo ano q não está alfabetizado, como se faz a inclusão deste aluno visto que: no sétimo ano os professores são especialistas em suas disciplinas e não são pedagogos e nem alfabetizadores? Como eles trabalhariam os pré requisitos neste caso?

  8. Andréa says:

    Sou professora do 1* ano do ensino fundamental. Para eu adaptar atividades e avaliações é necessário ter o PEI? Se a escola não tem AEE, sala de recursos não poderei fazer adaptações?

  9. Rosenanda Oliveira says:

    Leandro, meu querido!
    Fazer ao menos uma tarefa diária em casa não é habilidade pré-acadêmica. Tão pouco escrever com letra maiúscula!
    Para se aventurar na área de orientação em Educação Inclusiva, sugiro que você leia antes a legislação específica da área (são muitas as leis!) e lei sobre Desenho Universal para a Aprendizagem (David Rose) e Currículo Funcional Natural (Maryse Suplino).
    Tem bastante gente que te segue e quando estamos nessa situação precisamos ser muito cuidadosos com o que publicamos!!

      • Rosenanda says:

        Escrever é uma habilidade acadêmica, pois aprende-se na escola.
        Leia a BNCC, que é a legislação que rege a Educação, feita pelo MEC, por pessoas que entendem de Educação… Inventários de avaliação psicológica deveriam versar sobre comportamentos, que é o objeto de análise da psicologia. Toda vez que um psicólogo se aventura na área da Educação, sem conhecimento específico, erra e erra feio. E o maior problema é que muitos seguem, sem questionar!

  10. Rosane says:

    Trabalho em uma Unidade Escolar onde os profissionais que atuam diretamente com os alunos especiais fazem a adaptação das atividades e vejo uma significativa mudança nos alunos. Gosto de sempre comentar sobre a evolução de cada aluno. As vezes pequenos avanços que são superados como exemplo ensinar um aluno a se alimentar com autonomia e até mesmo ao desfraude. São pequenas conquistas que precisam ser comemoradas todos os dias.

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